Lembro-me ser pequenina e de gostar do mar, gostar da praia e gostar
de conchas.
Eu gostava do mar mas era sempre a que ficava mais atrás, com uma
desculpa qualquer, e via a minha irmã mais ao fundo a desbravar as ondas em saltinhos.
Pelo meio, lá voltava para a areia e calcorreava a beira-mar para trás e para a
frente à procura das conchas mais bonitas que o oceano despojava ali, ao meu
lado.
Desses tempos recordo a casa da praia. Não com
saudade, mas com carinho.
Foi nessa casa da família, virada para o pinhal, onde aprimorei a
técnica de andar de bicicleta sem rodinhas, onde me via a trabalhar numa
pizzaria, na grande cozinha que ninguém usava, e que o intercomunicador ligava
à minha irmã que estava na rua, pronta a fazer um qualquer pedido. Era simples assim,
mas nós gostávamos.
Foi também nessa casa onde vi de perto os primeiros anos da minha
prima. E foi também nessa casa que a varanda guardou, durante longos verões,
as minhas conchas, porque não podia trazê-las para casa por serem tantas e tão
pesadas.
De volta à cidade, sem o mar ali ao lado, deixava para trás os rituais
da tosta mista ao pequeno-almoço, tomado religiosamente às 8h da manhã no café.
Sempre muito menina, lá ía eu para o sótão munida de tintas e pincéis,
cores e purpurinas e uma caixa de sapatos cheia de conchas.
Esses anos coincidiram com os mais felizes que recordo, quando as obrigações não eram muitas e tudo era mais fácil. Descomplicado.
E nessas manhãs lá ía eu, dar mais cor e brilho aos meus dias, de pincel na mão,
numa escrivaninha que outrora havia sido do colégio e que os meus pais
compraram.
Hoje acordei cedo e não consigo rebobinar o suficiente para perceber
por que é que, ainda na cama e antes da alvorada, me lembrei das minhas conchas
às corezinhas. Mas acordei determinada a voltar a pintar as muitas conchas que
restam e que são herança do passado. O passado que se esbate e do qual até eu
duvidaria se não me restassem esses órgãos tão rígidos quanto o tempo.
E hoje fiquei com vontade de deixar esta outra cidade à beira-mar e
rumar a casa, onde o horizonte é verde e não azul. Para as minhas conchas e
para as minhas cores.
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(There is no translation to this dissertation because it was written in the rush of the moment. It talks about feelings and memories, and I couldn't put it in words which weren't mine at the time this text refers to. I'll keep in mind a post scriptum translation, when the feelings cool down. Also, I'll remeber to illustrate it with pictures). ;)
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