domingo, 14 de junho de 2015

As Conchas que eu Pintava às Corezinhas

Lembro-me ser pequenina e de gostar do mar, gostar da praia e gostar de conchas.
Eu gostava do mar mas era sempre a que ficava mais atrás, com uma desculpa qualquer, e via a minha irmã mais ao fundo a desbravar as ondas em saltinhos. Pelo meio, lá voltava para a areia e calcorreava a beira-mar para trás e para a frente à procura das conchas mais bonitas que o oceano despojava ali, ao meu lado.

Desses tempos recordo a casa da praia. Não com saudade, mas com carinho.
Foi nessa casa da família, virada para o pinhal, onde aprimorei a técnica de andar de bicicleta sem rodinhas, onde me via a trabalhar numa pizzaria, na grande cozinha que ninguém usava, e que o intercomunicador ligava à minha irmã que estava na rua, pronta a fazer um qualquer pedido. Era simples assim, mas nós gostávamos.
Foi também nessa casa onde vi de perto os primeiros anos da minha prima. E foi também nessa casa que a varanda guardou, durante longos verões, as minhas conchas, porque não podia trazê-las para casa por serem tantas e tão pesadas.

De volta à cidade, sem o mar ali ao lado, deixava para trás os rituais da tosta mista ao pequeno-almoço, tomado religiosamente às 8h da manhã no café.
Sempre muito menina, lá ía eu para o sótão munida de tintas e pincéis, cores e purpurinas e uma caixa de sapatos cheia de conchas.

Esses anos coincidiram com os mais felizes que recordo, quando as obrigações não eram muitas e tudo era mais fácil. Descomplicado. E nessas manhãs lá ía eu, dar mais cor e brilho aos meus dias, de pincel na mão, numa escrivaninha que outrora havia sido do colégio e que os meus pais compraram.

Hoje acordei cedo e não consigo rebobinar o suficiente para perceber por que é que, ainda na cama e antes da alvorada, me lembrei das minhas conchas às corezinhas. Mas acordei determinada a voltar a pintar as muitas conchas que restam e que são herança do passado. O passado que se esbate e do qual até eu duvidaria se não me restassem esses órgãos tão rígidos quanto o tempo.

E hoje fiquei com vontade de deixar esta outra cidade à beira-mar e rumar a casa, onde o horizonte é verde e não azul. Para as minhas conchas e para as minhas cores.


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(There is no translation to this dissertation because it was written in the rush of the moment. It talks about feelings and memories, and I couldn't put it in words which weren't mine at the time this text refers to. I'll keep in mind a post scriptum translation, when the feelings cool down. Also, I'll remeber to illustrate it with pictures). ;)

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